A Síndrome de Lynch (SL) ou HNPCC (sigla em inglês para Hereditary Non Polyposis Colon Cancer), é talvez uma das doenças hereditárias mais estudadas do trato gastrointestinal. Ela é autossômica dominante e constitui de 1% a 3% dos cânceres colorretais e 1% a 4% dos cânceres do endométrio. Os adenomas cólicos encontrados na SL têm características diferentes dos adenomas encontrados em CCRs esporádicos. Normalmente adenomas na SL desenvolvem-se em indivíduos antes dos 40 anos de idade, têm padrão viloso e/ou apresentam displasia de alto grau precocemente, ou seja, em lesões menores que 1 cm. Além disso, há uma progressão rápida de adenoma para carcinoma. Na SL, essa progressão se dá em período variável de 1 a 3 anos, ao passo que em adenomas esporádicos a progressão esperada é de 8 a 17 anos.
Características da Síndrome de Lynch
A patologia do CCR na Síndrome de Lynch tem algumas características frequentes e fortemente sugestivas do seu diagnóstico. São tumores localizados no cólon direito, pouco diferenciados e representados por padrão mucinoso ou células em anel de sinete. Além disso, podem ter padrão de crescimento medular com presença de linfócitos e, finalmente, reação linfocítica do tipo doença de Crohn (Figura 8). Portanto, essas características são conhecidas também como “fenótipo SL”.
A SL tem tumores associados, ou seja, tumores não localizados no segmento cólico. Incluem, mas não se limitam a tumores de ovário, gástricos, carcinoma urotelial do ureter ou pelve renal, adenocarcinoma pancreático, carcinoma hepatobiliar e carcinoma do intestino delgado. Cada um tem uma incidência aproximada de 10% (13). O risco de CCR metacrônico em SL ou tumores extra-cólicos associados à SL é, em 10 anos, de 30% e, em 15 anos, de 50%.
Diagnóstico
O diagnóstico conclusivo de SL, além dos critérios de herdabilidade normalmente pesquisados pelo aconselhador genético, é definido pela presença de mutação em um dos genes “mismatched repair” (MMR). Isto é, genes de reparo do DNA. Assim, está estabelecido que quatro dos genes MMR têm importância na pesquisa de SL (14). São os genes MLH1, envolvidos em 32% no desenvolvimento do tumor; MSH2 em 38%; MSH6 em 14%; e PMS2 em 15%.
O estudo das possibilidades de um paciente ser portador de SL é feito, primeiramente, com análise imuno-histoquímica (IHQ) que busca a expressão dessas quatro nucleoproteínas (Figuras 9 e 10). Elas podem estar ausentes, ou seja, não expressas, o que significa mutação e silenciamento do gene que a traduz. Entretanto a interpretação é mais complexa, uma vez que algumas proteínas agem acopladas umas às outras formando o que se chama de “heterodímeros”. Por exemplo, MLH1 e PMS2 formam um heterodímero. Assim, PMS2 tem coloração IHQ sempre ausente como resultado de mutação de MLH1, que é seu parceiro.
Como MLH1 tem outros parceiros além do PMS2, MLH1 estará sempre positivo quando PMS2 for mutado. Então, o mesmo problema acontece com MSH2 e MSH6, que também formam heterodímeros e, neste caso, MSH2 é a proteína que tem outros parceiros. Dessa maneira, a pesquisa de MMR que o endoscopista receberá do laboratório pode vir com mais de um gene silenciado. Mas não significa que seu paciente herdou duas mutações simultâneas, o que é bastante improvável.
Por outro lado, mais raramente, todas as proteínas podem ser expressas ao estudo IHQ sendo o paciente portador de SL. Este fato se deve a uma possível mutação missense em um dos genes MLH1, MSH2, MSH6 ou PMS2, que resultará em uma proteína MMR intacta, mas não funcional (15). E obviamente existe a possibilidade de metilação de áreas promotoras desses genes, que serão silenciados sem haver mutação na sua sequência. Este fenômeno é conhecido em biologia molecular como epigenético. Assim, em casos de dúvidas, o clínico deve pedir a pesquisa de metilação e o gene mais susceptível a ela é o MLH1.
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Em vista das dificuldades do estudo IHQ isolado, recomenda-se, concomitantemente, o estudo de instabilidade de microssatélites (MSI sigla do inglês microsatellite instability). Em resumo, é um estudo molecular de áreas repetitivas do DNA (microssatélites) que são muitos lábeis. Então, no caso de mutação de gene de reparo de DNA, há uma instabilidade, em geral perda de fragmentos da molécula de DNA. Se caracteriza pela detecção de segmentos de DNA de tamanhos diferentes quando se compara áreas de microssatélites do tecido neoplásico com o tecido normal do mesmo paciente.
A leitura do resultado é positiva e expressa como MSI alto ou MSI-H, no caso de haver instabilidade de dois ou mais marcadores, o que acontece em 30% dos casos. Além disso, pode ser MSI Baixo ou MSI-L como um resultado incerto quando apenas um marcador mostra instabilidade, bem como situações em que nenhum marcador mostra-se instável cujo resultado é MSI negativo ou estável ou MSS.
MSI-H pode, todavia, estar presente em CCR esporádicos (16). O fato se deve a uma mutação somática de BRAF (V600E) ou então perda de expressão de proteína MLH1 (+/- MSH2) via IHQ, devido à hipermetilação da sua área promotora ou por ausência de critérios de Amsterdã. Por outro lado, há relatos de CCR esporádicos com mutação somática do gene BRAF e mutação germinativa de MLH1 ou MSH2.
Mutações da SL
Há uma versão de SL com menor risco de CCR denominada “Lynch Atenuado”. Decorre de mutação do gene MSH6(17, 18). Nesta variante da SL o risco para homens desenvolverem CCR é de 44% aos 80 anos e da mulher é de 20% aos 80 anos. O risco de carcinoma do endométrio nas mulheres é de 44% aos 80 anos igual a forma clássica. Outra versão de SL atenuada é caracterizada pela mutação do gene PMS2(19) onde o risco de CCR para homens e mulheres é de 15%–20% e de carcinoma endometrial é de15%. A possibilidade de indivíduos desenvolverem tumores associados à SL com mutação do gene MSH6 ou do gene PMS2 é de 25% a 32%.
Existem outras apresentações de Lynch com presença adicional de outros tumores como queratoacantomas e tumores sebáceos da pele como adenoma, carcinoma e epiteliomas, conhecida como Síndrome Muir-Torre. Da mesma maneira a Síndrome de Turcot I corresponde a SL com presença de tumores cerebrais, mais comumente, o glioblastoma multiforme (GBM).
Finalmente a Síndrome Colón(20) é uma variante da SL com mutações homozigóticas (exemplo MSH2+/ MSH2+ ) ou heterozigóticas (exemplo MSH2+ / MLH1+). Esses pacientes têm manifestação já na infância com desenvolvimento de tumores de cólon, linfomas, leucemias ou neurofibromatose que se apresenta na forma das clássicas manchas café com leite. Podem ter outras manifestações tais como tumores do sistema nervoso central e alterações autoimunes.